“Cada escola deve (re)construir num processo
criativo a partir das suas práticas, o seu percurso, o seu próprio projecto de
desenvolvimento (…) trata-se de um processo que é gradual e implica uma
aprendizagem constante, em equipa, já que envolve uma alteração das relações de
poder entre os diferentes membros da comunidade. Não se trata de gerar
consensos (…) mas o de negociar e partilhar a tomada de decisões.”
Actualmente em
Angola existe algum pragmatismo sobre a autonomia e gestão das escolas no que
diz respeito à participação dos diferentes membros da comunidade bem como a
constituição de lideranças fortes nas escolas. Na realidade estes dois factores
divergem em parte da filosofia que esteve subjacente à constituição da
autonomia de escolas.
Segundo parecer
emitido pelo professor
Devido ao papel
das autarquias na educação, o aumento de funções atribuídas tem vindo a
reforçar a territorialização das políticas educativas nos países aonde as
autarquias já funcionam. Segundo
“A territorialização poderá ser entendida como uma
lógica de funcionamento num território municipalizado, onde actuam vários
agentes locais da educação, segundo um projecto educativo local o qual integra
os projectos educativos das diversas instituições educativas, todos com a mesma
finalidade, rentabilizar os recursos educativos locais.
Em Angola as
territorializações das políticas educativas deverão implicar não somente a
transferência de competências do estado para as instituições locais, mas
fundamentalmente, a criação de estratégias conjuntas, no domínio educativo,
social, cultural e desportivo que visam a valorização dos interesses e
necessidades locais, numa perspectiva de melhoria da qualidade de vida. Visto
que a territorialização é um fenómeno essencialmente político e implica um
conjunto de opções que têm por pano de fundo um conflito de legitimidades entre
o Estado e a sociedade, entre o público e o privado, entre o interesse comum e
os interesses individuais, entre o central e o local. Do ponto de vista
operacional, a territorialização pode constituir um meio de ultrapassar lacunas
do sistema educativo central e de afirmação do poder local, na resolução de
problemas comuns às características do território.
5.3 A Aprovação De Uma Nova Lei de Base e a Territorialização das
Políticas Educativas em Angola
Em Angola só em 2016 começou a surgir a expressão
descentralização das políticas educativas que incluem um vasto conjunto de
processos institucionais e administrativos destinados a aumentar a intervenção
local na provisão da educação. No entanto ainda que seja do estado angolano a
função de asseverar um sistema educativo público que proporcione a igualdade de
oportunidades, o princípio constitucional da descentralização democrática da
administração pública impõe a referência de atribuições e competências para as
autarquias locais, de acordo com a respectiva capacidade de realização.
A implementação da lei nº 13/01, de 31 de Dezembro, que
aprovou as Bases dos sistemas de ensino e contribui para o desenvolvimento dos
diferentes sectores da vida nacional.
Porém, ante o novo quadro constitucional e os novos
desafios de desenvolvimento incluindo a descentralização dos poderes do estado,
traduzidos em diferentes planos de garantir a inserção de Angola no contexto
regional e internacional, torna-se necessária a aprovação de uma nova lei de
Bases do sistema de educação e Ensino.
A aprovação de uma nova lei de Bases do sistema de Educação
e Ensino em Angola vai permitir a criação de condições mais adequadas para a
aplicação das políticas públicas que o governo angolano pretende adoptar com a
descentralização com o objectivo de continuar a assegurar, a incrementar e a
redinamizar o crescimento e o progresso económico e social do país, bem como a
adopção, o aperfeiçoamento ou a modificação de distintos instrumentos de
governação.
Desta feita o sistema de Educação e Ensino adaptado a
política de descentralização dos poderes deve reafirmar entre os seus
objectivos, a promoção do desenvolvimento humano nos Municípios, com base numa
educação e aprendizagem ao longo da vida para todos os indivíduos, que permitem
assegurar o aumento dos níveis de qualidade de ensino. Deve igualmente
contribuir de forma mais efectiva, para o empreendedorismo e para o
desenvolvimento científico, técnico e tecnológico de todos os sectores da vida
nacional.
A Territorialização das Políticas
Educativas deve ainda garantir a reafirmação da formação assente nos valores
patrióticos, cívicos, morais éticos e estéticos e a crescente dinamização do
emprego e da actividade económica, a consolidação do emprego e da actividade
económica, a consolidação da justiça social, do humanismo e da democracia
pluralista.
A presente lei deve possibilitar a implementação de medidas
que visam melhorar cada vez mais a organização, a funcionalidade e o desempenho
do Sistema de educação na descentralização bem como fortalecer a articulação
entre os diferentes subsistemas de ensino.
5.3.1 O objectivo estratégico do estado
angolano em promover a descentralização da educação
Como
tem sido reconhecido em Angola, as políticas públicas de educação condicionam a
forma como as escolas se organizam e influenciam as acções desenvolvidas pela
comunidade escolar. Em Angola, uma das políticas educativas que o estado
pretende implementar é a autonomia das escolas com o objectivo estratégico de
promover a descentralização da educação. O tipo de autonomia que se pretende
ver instituída prende-se mais com a hipótese de uma maior flexibilização do
currículo, mas, igualmente, um reforço dos dispositivos de controlo das
aprendizagens e dos resultados escolares como sugerido por Barroso, (2004).
Esta
flexibilização curricular, sugerido pela novo Lei nº 17/16 de 7 de Outubro
de bases do sistema
de educação de Angola no contexto de autonomia que é
outorgado às escolas, prevê que estas constituam algumas áreas curriculares de
forma livre, ainda que estejam sujeitas a um currículo centralmente definido. É
no espaço desta flexibilização que as escolas podem ter a possibilidade de
desenvolver medidas que promovam a redução das desigualdades tendo em conta os
alunos e o contexto em que se inserem. Assim, torna-se importante analisar a
acção do colectivo dos professores angolanos, enquanto agentes educativos, e da
administração escolar e educacional, de forma a perceber se a organização e o
desenvolvimento do currículo se norteiam por princípios democráticos e
igualitários, isto é, se estão a cooperar para a materialização da justiça
social.
Conforme Leite, (2005) “através
da educação é possível responder à diversidade profunda que existe na população
escolar, sendo que a resposta necessária não se centra apenas em reconhecer que
todos os seres humanos têm o direito à educação”. Acima de tudo, é preciso que
em Angola se encontre diferentes respostas educativas à diversidade profunda da
sociedade e das escolas. Neste cenário, e assente em princípios igualitários e
de justiça social, os Municípios que serão priorizados para autarquias não
necessariamente precisam ser os únicos a abranger no programa de territorialização das Políticas
Educativas para simplificar o combate aos
problemas de exclusão social e escolar, onde os actores locais adquirem um
papel fundamental.
É
tendo por referência esta política pública e os objectivos que a justificam que
consideramos essencial perceber se o que é enunciado está a ser concretizado –
nomeadamente no que diz respeito às condições que contribuem para que as
necessidades e características dos distintos grupos sociais que convivem na
sociedade angolana sejam respeitadas. Pretende-se igualmente conhecer como são
concretizados os processos que as escolas desenvolvem na procura de uma
melhoria educacional fundada na equidade social.
Tendo
como foco este objectivo, na primeira parte deste artigo dá-se conta da
fundamentação teórica que nos guia na análise da política pública expressa na
lei de base. A ela, deve-se seguir a apresentação de um estudo, na sua
componente empírica, num conjunto de especialistas do MED (Ministério da
educação). Este estudo de caso deve inclui a realização de entrevistas
semi-diretivas Directores Provinciais, Directores de escolas do 1º e 2º
Ciclo, coordenadores de disciplinas,
professores e até encarregados de educação nas dezoito Províncias do país e não
só Luanda visto que as realidades e circunstâncias variam de região a
região é a análise desse conjunto de
dados que nos permite tecer as interpretações e considerações que a leitura
deste dissertação apresenta.
5.3.2 A emergência dos territórios
educativos de intervenção prioritária em Angola
Na
Lei de Bases do Sistema Educativo angolano de 2001 (lei nº 13/2001 Dezembro) os
discursos relativos a questões da autonomia e descentralização escolar
começaram a ganhar terreno, tornando-se, na década de 2010, centrais nos
discursos educacionais e políticos, ao mesmo tempo que se foi difundindo o
apelo a uma organização da educação pública justificada por princípios de
qualidade, democracia e igualdade de oportunidades para os angolanos.
No
discurso legal dessa época, e tal como se pode constar pelo designado decreto
da autonomia escolar (Lei
nº 17/16 de 7 de Outubro de bases da educação) é
referido que “a autonomia das escolas e a descentralização constituem aspectos
fundamentais de uma nova organização da educação, com o objectivo de
concretizar na vida da escola a democratização, a igualdade de oportunidades e
a qualidade do serviço público de educação” (Preâmbulo). Esta lei de base veio
reforçar a importância da participação das famílias e das comunidades na
direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino, ao mesmo tempo que passou
a atribuir a direcção das escolas a uma figura única – o/a Director/a – a
pretexto de se favorecer a constituição de lideranças fortes. Ou seja, é
enunciado que o governo de Angola visa “reforçar a autonomia Municipal e a capacidade
de intervenção dos órgãos de direcção das escolas para reforçar a eficácia da
execução das medidas de política educativa e da prestação do serviço público de
educação” mas, para isso, é preciso
recorrer-se a uma descentralização de poderes que Angola pretende adoptar com a
realização das eleições autárquicas em 2020.
Este
diploma legal, focado na autonomia das escolas do ensino de base 1º e 2º Ciclo
em Angola, abrem igualmente hipóteses para a celebração de contratos de
autonomia entre o Ministério da Educação e as escolas situação que em Angola
pode representar o início de uma ruptura do sistema centralizado existente
agora. Por sua vez, e neste enquadramento, os discursos políticos de
descentralização e de autonomia dos partidos na oposição em Angola fizeram
emergir a concepção dos professores como decisores curriculares e as escolas
como instituições com responsabilidades na adequação do currículo prescrito às
situações reais com que convivem.
Na linha de pensamento de
Priestley, (2010) e Ferreira, (2012),
os professores são, nestes discursos políticos, encarados como agentes de
mudança, em que através do conceito de agência
– entendido como a capacidade dos indivíduos para agirem reflexivamente dentro
das limitações impostas pelos seus ambientes sociais e materiais – se denota a
“qualidade” do envolvimento dos actores nos seus contextos relacionais, mas não
a “qualidade” dos próprios actores. No quadro desta última ideia, é importante
ter em conta a existência de diferenças entre autonomia e agência. Apesar dos discursos
centrados na autonomia das escolas poderem ser encarados como meio de as
libertar, permitindo a introdução de mudanças, a autonomia não significa
necessariamente agência.
Por
outras palavras, ser concedida autonomia aos professores em Angola não
significa obrigatoriamente que estes consigam atingir mudanças efectivas, uma
vez que se encontram condicionados pelo contexto em que se inserem e podem
simplesmente reproduzir padrões de comportamento devido a constrangimentos
relacionais ou institucionais. O que estamos, pois, a sustentar, é que é
importante ter presente conforme Ribeiro &
Machado, (2011) que esta relação se funda em contradições que não podem
ser ignoradas.
Referindo-nos
ao que acompanhou o discurso político de autonomia de escolas, promovidos pelo
SINPROF (Sindicato dos professores Angolanos) Este contrato é fundado em
objectivos e compromissos a cumprir por ambas as partes, isto é, tendo por base
os “deveres mútuos que visam melhorar as condições de realização do serviço
público de educação confiado às escolas, cujas dimensões abrangem o acesso à
escola, o sucesso dos alunos, a formação para a cidadania, os cuidados de apoio
e guarda, a organização e o funcionamento da escola, designadamente no que
respeita aos processos de participação interna e externa”.
5.3.3 As contradições no plano da descentralização
educativa
Apesar
das intencionalidades enunciadas, pelo Governo angolano e embora este diploma
acrescente alguma autonomia às escolas, percebe-se que nesta Lei nº 17/16 de 7 de Outubro
de bases da
educação não se avançou no plano da descentralização nem em soluções
reais que pudessem dotar e aprofundar a autonomia das escolas em Angola,
aumentando, contrariamente, as dúvidas e as inseguranças nos actores
educativos. Como é afirmado por Lima, (2000), uma
escola (mais) democrática é, por definição, uma escola mais autónoma, em graus
e extensão variáveis e sempre em processo. É através do processo de
democratização do governo das escolas, em direcção ao seu autogoverno, que
professores e alunos serão mais livres e responsáveis, tornando possível uma
educação comprometida com a "autonomia do ser dos educandos”
Para
a compreensão destas contradições, e recorrendo ainda a Barroso (2004), julgamos que a aplicação das
medidas de reforço da autonomia nas escolas públicas em Angola resultará de
diferentes processos, nomeadamente de: (1) uma estratégia política que combina
um discurso inovador inspirado nas propostas de modernização da gestão pública
e de territorialização das políticas educativas, com uma prática conservadora
baseada numa administração burocrática e centralizadora; (2) coexistência um
modelo de coordenação e controlo baseado na "obrigação de meios" para
um outro, baseado na "obrigação de resultados"; (3) emergência ou progresso
de estruturas interpostas de coordenação (serviços desconcentrados do
Ministério da Educação, ou agências locais) que, supostamente, deveriam apoiar
as escolas no processo de devolução de competências resultante do "reforço
da sua autonomia" e que acabam por assumir um apertado controlo da sua
execução.
Para
Leite, (2005) a autonomia aprende-se e
não pode ser construída sem ter em conta outras dimensões que fazem parte de um
processo mais global que é o de territorialização das políticas educativas, não
podendo ser constituída como um fim em si mesma, mas como um meio para as
escolas melhorarem o serviço público de educação.
Neste
sentido, a autonomia das escolas é, por um lado, uma antítese de toda uma
prática que deve caracterizar o sistema educativo Angolano, onde o Estado desempenhava
um papel uniformizador e, por outro lado, uma ficção necessária ao
funcionamento democrático da organização escolar pelo facto de “que raramente
ultrapassou o discurso político e a sua aplicação esteve sempre longe da
concretização efectiva das suas melhores expectativas. Mas ela tem sido uma
"ficção necessária" porque é impossível imaginar o funcionamento
democrático da organização do sistema educativo angolano e a sua adaptação à
especificidade dos seus alunos e das suas comunidades de pertença, sem
reconhecer às escolas, isto é, aos seus actores e aos seus órgãos de governo,
uma efectiva capacidade de definirem normas, regras e tomarem decisões
próprias, em diferentes domínios políticos, administrativos, financeiros e
pedagógicos.
5.3.4 O plano da descentralização educativa versus
prevenção ao abandono escolar em Angola
De
acordo com o Governo de angola, a ideia
da descentralização de poderes será implementando com a perspectiva de
desenvolver escolas que se localizam em territórios nacionais económica e
socialmente desfavorecidos, sinalizados por situações de pobreza e exclusão
social e onde se registam manifestações de violência, indisciplina, abandono e
insucesso escolares. Consequentemente, os principais objectivos deste programa
focam-se na prevenção e redução do abandono escolar precoce e do absentismo, na
redução da indisciplina e na promoção do sucesso educativo em Angola. Em linhas
gerais, a leia de base do Ministério da Educação Lei nº 17/16 de 7 de Outubro
tenciona diligenciar a inovação, através da identificação e sinalização de
problemas locais e da procura de soluções para os mesmos.
Para
que isto seja possível, o MED deve apostar na monitorização e na avaliação dos
projectos e das metas com que cada Direcção Provincial se compromete e partir
da crença que a atribuição de maiores responsabilidades aos agentes educativos
Municipais constituirá um meio para resolver os problemas com que o sistema
educativo se confronta. Em contrapartida, a descentralização de poder educativo
deve permitir a existência de recursos humanos acrescidos, sendo um deles a
possibilidade de serem acompanhados por um especialista na área da educação.
Este especialista, normalmente um académico do ensino superior, terá como
principal função auxiliar na construção de um plano de melhoria do sistema de
ensino angolano – que se pretende que identifique os pontos críticos,
estabeleça um plano de acção e as metas a atingir – bem como na sua
organização, monitorização e avaliação.
Para além disto, são atribuídas verbas às
escolas do 2º ciclo do ensino Secundário para, de acordo com o levantamento de
necessidades que é realizado, financiarem formação que permita capacitar os
seus recursos humanos e melhorar a implementação do seu plano de melhoria. A
relação escola-família-comunidade deve obrigatoriamente ser igualmente um dos
pilares de intervenção do programa. Para isso, o programa deve prever a
constituição de equipas multidisciplinares que envolvem técnicos - como, por
exemplo, psicólogos e técnicos de serviço social - professores e,
fortuitamente, funcionários da escola que não sejam docentes. Estas equipas
devem desenvolver um trabalho de proximidade junto dos alunos e das respectivas
famílias, com vista à resolução dos problemas diagnosticados e que estão
normalmente relacionados com a indisciplina, o absentismo e o abandono escolar
precoce.
Como
sustenta Bolívar, (2003), em ideia que
corroboramos, “o núcleo da mudança educativa situa-se, não a nível micro da
sala de aula, nem a nível macro da estrutura do sistema, mas no nível
intermédio que são as condições organizacionais do estabelecimento de ensino”.
Assim, podemos similarmente epilogar que a descentralização do ensino em Angola
passa pela construção colectiva dos currículos, em que é importante que os
critérios de sucesso sejam coerentes e sobretudo que dêem prioridade às
aprendizagens essenciais e duráveis, opondo-se à incorporação de desempenhos
facilmente mensuráveis. Ou seja, e como se depreende, são contrariados
processos focados numa aprendizagem limitada à memorização, na lógica de uma
pedagogia bancária que considera os saberes e as competências como aquisições
isoladas, a serem trabalhadas e avaliadas uma após a outra.
Também
Young, (2010) chama a atenção para o
facto de que tendências de actuações demasiado conservadoras e instrumentais
reduzem e substituem a autonomia das instituições educativas e a sua
responsabilidade profissional pela manutenção ou subida dos seus próprios
padrões de qualidade, ou seja,
“(…)
a combinação da regulação, das metas quantitativas e dos financiamentos
estritos associados à emergência do modelo da “entrega de produtos” na educação
pública significa que a especificidade daquilo que deve ser uma instituição
educativa está a ser, progressivamente, reduzida: a prioridade dominante passa
a ser a concretização de metas e a obtenção de resultados – não a reflexão
sobre que metas são essas e como de alcançam” (Young, 2010, p. 207).
Como
lembra Perrenoud, (2003), na
descentralização, as finalidades da escola e os critérios de sucesso são
escolhas políticas, às quais professores e pesquisadores se devem submeter,
mas, ainda assim, estes necessitam de favorecer pedagogias activas e
diferenciadas, que, acrescentamos nós, sejam capazes de promover situações de
maior justiça curricular. O mesmo acontece em Angola algumas leis são
implementadas só por ordens superiores mesmo que estejam legisladas, porém
gerir e executar processos que possibilitam a concretização e aplicação de
políticas públicas podem exigir lidar com tensões, conflitos e desafios,
equilíbrios entre as resistências individuais e institucionais que implicam
negociações e pressões decorrentes das políticas públicas. É necessário também
que as direcções das escolas públicas manifestem a vontade de colocar em
prática o que está planeado para a descentralização, atendendo às
características do local, dos seus membros e numa lógica de negociação e não de
imposição, ou seja, do trabalho cooperativo com toda a comunidade educativa.
Face ao exposto, o estudo que aqui se apresenta pretendeu
perceber o sistema da educação em Angola: desafios no quadro da desconcentração
e perceber quais serão os desafios do MED na luta contra as desigualdades e no
combate ao insucesso escolar, de modo a analisar possibilidades e limites de
processos que apontam para a justiça curricular. como já referimos, orienta-nos
a ideia de que, para isso, é necessário configurar e desenvolver um currículo
escolar que coloque a sua prioridade educativa ao serviço de uma pedagogia
diferenciada, capaz de ter em atenção os distintos contextos, situações e os
alunos reais que o vivem, aspectos que serão tidos em atenção na componente
empírica do estudo. assim, consideramos fundamental perceber que condições
contribuem para que as necessidades dos distintos grupos sociais que convivem
na sociedade angolana sejam respeitadas numa óptica de justiça social e
curricular, essenciais para a construção de uma escola descentralizada. como
refere (Barbosa, 2006),
“é
verdade que não se pode esperar tudo da educação. Mas esta, pressionada pela
progressiva afirmação das diferenças culturais num mundo que nos expõe cada vez
mais aos valores de outras culturas, de outros povos e de outras gentes, vê-se
na contingência de afrontar o desafio que isso coloca, um pouco à maneira do
que acontece em outras áreas de interacção social - ali onde a autoridade cultural
do “outro” nos interroga e nos interpela” (Barbosa, 2006, p.15).
É
no quadro destas concepções de educação que se torna fundamental perceber a
importância do papel social da educação e o contributo que o exercício de uma
cidadania e de uma participação activa podem ter para a sobrevivência da
democracia em Angola. Tal como sustenta Arnot,
(2009), à educação compete a função de criar e formar cidadãos e às
escolas a função de repensar os seus vínculos, ou, como afirma Barbosa (2006,
p. 68): “a aprendizagem da cidadania democrática (…) desempenha um papel
estratégico insubstituível na formação de cidadãos”. Isto é, considera-se que a
educação pode assumir-se como uma resposta local que parece necessária não só
para evitar o definhamento de cidadania, como também para fortalecer a
democracia. Aliás, no que às escolas diz respeito, fundamental pensá-la como um
espaço de interacção entre crianças, jovens e adultos, inevitavelmente
diferentes e diversos e, por isso, esta deve propiciar a integração dos membros
da comunidade escolar, promovendo a qualidade das suas relações, ao mesmo tempo
que valoriza e legitima a expressão da diversidade e do pluralismo.
5.4 A Descentralização e a construção de uma Política Educativa Local em Angola
Numa concepção de democracia participativa o poder político
central é entendido como agente regulador da iniciativa local, à qual é
reconhecida a legitimidade própria para intervir nos processos educativos
integrando-os numa política educativa local. Esta concepção implica o
alargamento da auto-regulação local e o desenvolvimento de modalidades de
regulação como as parcerias, contratos de desenvolvimento, protocolos e acordos
de colaboração
Sabemos que a educação é um
processo planificado e sistematizado de ensino e aprendizagem, que tem por
objectivo preparar de forma integral o individuo opara as exigências da vida
individual e colectiva.
5.4.1 O Projecto Educativo Local
Nesta dissertação, abordamos o
sistema da educação em Angola: desafios no quadro da desconcentração tendo em
conta a necessidade de existência de um projecto educativo local por
considerarmos que a ideia da construção de um instrumento de trabalho desta
natureza, revela a preocupação dos agentes educativos em organizar e gerir os
recursos do território angolano. por outro lado, poderá ser a forma de reunir
os actores envolvidos, todos com os mesmos interesses e os mesmos objectivos,
procurando deste modo optimizar o sistema educativo angolano.
Canário (1999) considera que a pertinência do projecto
educativo local que pode ser definido como “o instrumento de realização de uma
política educativa local que articula as ofertas educativas existentes, os
serviços sociais com os serviços educativos, promove a gestão integrada dos
recursos e insere a intervenção educativa numa perspectiva de desenvolvimento
da comunidade” é justificada uma vez que a “política educativa local é parte
integrante de uma política de desenvolvimento local que promova a qualidade de
vida”.
A existência do
projecto é importante na acepção do projecto como tal. Ele define a relação
entre aquilo que existe efectivamente e o que se pretende alcançar num futuro
próximo. Vários autores debruçaram-se sobre o tema em analise. Mas todos
referem um ponto comum - a ligação entre a intenção e a acção a concretizar.
O projecto
educativo local em Angola, terá então de partir das características sociais e
culturais do seu território, promover condições para o desenvolvimento
educativo da população em geral, minimizar as diferenças sociais quer sejam de
origem social ou étnica, valorizar e rentabilizar os recursos locais a nível do
património das instituições educativas e empresariais. Um dos grandes
objectivos do Projecto Educativo Local é a coordenação simultânea, com os
projectos educativos das escolas e com os planos de actividades.
De facto, as
orientações pedagógicas para a constituição do projecto educativo local são
motivadoras, no entanto persiste a dificuldade em constituir um projecto desta
natureza, pois implica um conjunto de recursos humanos difíceis de gerir, no
contexto das competências atribuídas ao município. Razão pela qual são poucas
as autarquias que avançaram já neste sentido.
A estrutura de
um projecto educativo de escola, além do planeamento das várias funções,
manifesta a ideologia da escola e como consequência, a relação que estabelece
com os outros parceiros sociais. Sobre este assunto,
“Na verdade, o
projecto de escola é simultaneamente um processo e um produto de uma
planificação destinada a orientar a organização e o funcionamento do
estabelecimento de ensino tendo em vista a obtenção de determinados
resultados.”
E vai mais
longe: “A cada escola a sua ambição, o seu projecto! É esta ambição que vai
definir o modo de relacionamento da escola com a administração e com a
sociedade, e a sua margem de manobra na realização dos fins que lhe são
atribuídos”
O Decreto
executivo nº 131/06 de 3 de Novembro, concebe o projecto educativo de escola,
como um instrumento integrante do processo de autonomia de escolas,
paralelamente ao regulamento interno e ao plano de actividades e consideram a
necessidade de se regulamentar o funcionamento da Direcção Nacional para Acção
Social Escolar. onde o artigo nº 1 acrescenta:
“A Direcção Nacional para Acção Social Escolar, é o serviço do
Ministério da Educação encarregue de formular, aplicar e controlar a
implementação da política de acção social escolar no sistema de ensino não
superior público, nos domínios do apoio social directo e indirecto ao aluno,
das bibliotecas escolares, do desporto escolar e da orientação escolar e
vocacional
“É considerado
naquele normativo como o documento que consagra a orientação de escola por um
período de três anos, onde se explicitam os princípios, os valores, as metas e
as estratégias segundo os quais a escola se propõe cumprir a sua função
educativa”
No caso de
Angola o actual conceito de escola exige a construção de um projecto educativo,
onde participem docentes e não docentes, alunos, pais, autarquias serviços
desconcentrados do MED e outros actores sociais, com influência na acção
educativa da escola. Estes intervenientes, responsáveis pela concepção do
projecto educativo de escola, devem debruçar-se numa primeira fase, sobre as
questões de contextualização social, económica e política onde a escola está
inserida.
“(…) antes de a escola se preocupar com a questão
de como elaborar um projecto, assume especial importância ela debruçar-se sobre
as questões que poderão conferir novos sentidos, significados e valores à sua
acção e colocar os problemas relativos a contextos, condições e processos que
estão em jogo nas dinâmicas de elaboração dos seus projectos.”
Em Angola, O secretário de
Estado para Ensino Pré-escolar e Geral, Joaquim Felizardo Cabral avançou que as
novas escolas vão ser construídas, no âmbito do Plano de Desenvolvimento
Nacional (PDN) 2018-2022. O secretário citado por
“Em cada uma das províncias, vamos
explorar e estudar as suas potencialidades económicas, para implementarmos o
tipo de escolas médias técnico-profissionais e também algumas instituições
básicas. Mas, os municípios também terão uma palavra a dizer face ao
desenvolvimento de cada um”, disse. Acrescentou que os projectos serão
executados no âmbito dos Programas de Investimentos Públicos (PIP) e das acções
de descentralização do Orçamento Geral do Estado (OGE).”
Percebe-se que a filosofia subjacente a uma
dinâmica de escola, define princípios e linhas orientadoras gerais, assentes
nas características da comunidade educativa, de acordo com as orientações
nacionais, estabelecendo metas prevendo parcerias e tendo em conta os recursos
disponíveis, define e reflecte a visão, a ideologia e as acções da escola, cria
a matriz de suporte que vai ser concretizada no Projecto Curricular de Escola e
no Projecto Curricular de Turma.”
O projecto
educativo de escola é o cérebro da acção educativa da escola. A partir deste
constitui-se, o Projecto Curricular de Escola, representando o “núcleo duro”
que adapta o currículo nacional às características da escola e do seu contexto.
Como dependências do projecto curricular de escola surgem os projectos
curriculares de turma, os quais adequam o projecto curricular de escola às
características dos alunos de cada turma em particular
Os conteúdos dos
projectos educativos das escolas e dos projectos curriculares de turma, dão
sintoma do crescente interesse de professores e alunos, por actividades
pedagógicas a desenvolver em campos exteriores á escola, solicitando a
intervenção de outros actores das várias valências da comunidade educativa
No entanto, a
incapacidade do Ministério da Educação em Angola em concretizar os programas
curriculares, nomeadamente na área das expressões, levará as autarquias a
iniciar projectos educativos próprios, de apoio a esses programas,
ultrapassando assim as competências que lhes foram atribuídas, o termo “apoio”
permitirá aos Municípios entrarem nas escolas e intervirem na acção educativa.
Os municípios
cientes da influência da acção educativa autárquica, na formação dos futuros
cidadãos, devem investir na organização de projectos socioeducativos dirigidos
às escolas, assumindo-os como estratégias políticas no desenvolvimento do
sistema educativo local.
Os projectos
socioeducativos são definidos por
“acções
educativas concretas direccionadas para as escolas, com objectivos específicos
definidos que encerram uma permanente actividade formativa orientada no sentido
de contribuir para o desenvolvimento global da personalidade dos alunos, o
apoio às práticas pedagógicas dos professores, o progresso social e a
democratização da sociedade.”
Em Angola as
autarquias terão de desenvolver ainda projectos de apoio ao desenvolvimento de
projectos socioeducativos das escolas, como é exemplo dos programas Sábados
Académicos e Olimpíadas de Matemática. Os municípios estabelecerão, deste modo,
regras próprias para atribuição do apoio concedido aos projectos das escolas,
condicionando o desenvolvimento dos temas e das actividades propostas.
A selecção dos
projectos pelas autarquias, terão de encaminhar a orientação das políticas
educativas locais para uma “política de cidade”, conduzindo estes projectos das
escolas no sentido das preocupações das autarquias enquanto cidades.
Em síntese,
podemos concluir que as grandes alterações verificadas na educação a nível
nacional, ainda não se fizeram sentir sobretudo no quesito Salário. Mesmo
depois da Lei de Bases do Sistema Educativo de 2016 ainda não ouve evolução,
contudo o processo de transferência de competências no sector da educação
conheceu avanços e recuos. A partir destes pressupostos, somos levados ainda, a
realçar quatro ideias conclusivas para este capítulo:
1ª Em Angola
ainda estamos longe de materializar os princípios estabelecidos pela lei nº
17/16 de Outubro de Bases do Sistema Educativo, nomeadamente:
“O Titular do
Poder executivo estabelece normas dos serviços sociais.”
(In Capítulo I,
Artigo 114º, alínea, 1)
1ª Os titulares
do poder executivo nos Municípios ainda não foram capazes de estabelecer
serviços de apoio social, para benefícios de alunos, destinados a minimizar i
impacto negativo das condições económicas e sociais precários no
desenvolvimento dos alunos e no seu desempenho escolar e académico, aumentando
as possibilidades de sucesso escolar.
2ª Os serviços
de apoio social nos Municípios ainda não concedem apoios suficientes tais como
merenda escolar, bolsas de estudo, material escolar, senhas de transportes,
lares e internatos, assistência psicológica e orientação vocacional e
profissional.
5.4.2 As potencialidades e as vulnerabilidades do
Programa
educativo angolano
Em termos de vulnerabilidades, os autores salientam a eventualidade
de híper escolarização da vida das crianças, a administração burocrática do
projecto, a desqualificação profissional e social dos educadores e professores
envolvidos, o facto de colocar em causa a monodocência enquanto modalidade de
organização do trabalho dos professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico, bem
como, de contribuir para o alargamento do tempo de educação formal.
A
nova lei de base do sistema de educação angolano procura consolidar a
concretização dos princípios da integridade, laicidade, democratização,
gratuidade e obrigatoriedade do anterior sistema educativo. Esta nova lei
representa uma estratégia para melhorar a qualidade da educação e ensino e
responder aos desafios do desenvolvimento do país perspectivando as autarquias
locais e a descentralização do sistema educativo.
A
presente Lei de Bases do Sistema de Educação preconiza a escolarização de todas
as crianças em idade escolar e, do mesmo modo, a redução do analfabetismo e a
formação profissional. Esta lei propõe uma readaptação do sistema educativo com
vista a responder às novas exigências da formação de recursos humanos
necessários ao progresso da sociedade angolana.
Para
além da componente política, a nova lei de base foi produzida originalmente
para auxiliar a actualização dos métodos de ensino e para adequar as
cadeiras/disciplinas aos tempos actuais. A integração da Internet e de
ferramentas digitais no ensino é uma das inovações pretendidas, a ideia do MED
é adequar o ensino angolano a de outros mais avançados almejando alcáçar um
ensino de qualidade para o desenvolvimento do país ainda tem de melhorar muito.
Porém
nota-se que o currículo constituiu um dos factores que maior influência possui
na qualidade do ensino. Este aparente consenso, esconde um equívoco. Não existe
uma noção, mas várias noções de currículo, tantas quantas as perspectivas
adoptadas. O currículo continua a ser frequentemente identificado, como um
plano de estudo. Sendo que este significa, pouco mais do que o elenco e a
sequência de matérias propostas para um dado ciclo de estudos, á um nível de
escolaridade ou curso, cuja frequência e conclusão conduzem o aluno a
graduar-se nesse ciclo, nível ou curso.
A
lei de base da educação devia ser concebida a partir de um amplo consenso
social, já que a educação abrange toda a sociedade e nunca deve depender de uma
ideologia ou do governo que estiver em funções. Quando a reforma educativa
preenche unicamente os interesses da autoridade do momento, costuma tratar-se
de um empreendimento político para difundir uma visão distorcida da realidade e
para formar as novas gerações de acordo com a mensagem dominante.
O
que precisa mudar no Projecto Educativo angolano? Para uma maior exigência do
perfil de saída dos alunos actualmente e no futuro, uma maior exigência
académico-profissional no perfil de entrada e saída dos professores nas actuais
Escolas do Magistério Primário deve ser imposta.
Uma conclusão importante a reter é, pois, a de que a legitimação política ou a racionalidade científica dos projectos inovadores não constituem garantia de êxito da sua implementação. A inovação tem revelado tanto de aliciante quanto de problemático e de complexo. Uma das principais razões justificativas destes resultados insuficientes prende-se com a complexidade do fenómeno da inovação aliado à ausência de uma perspectiva teórica alargada e, em particular, ao pouco conhecimento das variáveis pessoais e organizacionais que interactuam no complexo processo inovador.
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