Emergência das Funções Autárquicas ao Nível da Educação
 
Precisa-se de Decretos em Angola, que abranjam o modelo de autonomia das escolas, a todos os níveis de educação e ensino. As escolas, decididamente, deverão abrir as portas à comunidade, procurando um maior envolvimento com as famílias e outros actores exteriores à escola, no sentido de complementarem e enriquecerem as actividades educativas. A nova lei de base de Angola deve entre outros objectivos, desenvolver estratégias conjuntas de agrupamento e autonomia das escolas, numa lógica de territorialização, ordenamento e regulação das políticas educativas.

(BARROSO & PINHAL, 1996) argumenta:

“Cada escola deve (re)construir num processo criativo a partir das suas práticas, o seu percurso, o seu próprio projecto de desenvolvimento (…) trata-se de um processo que é gradual e implica uma aprendizagem constante, em equipa, já que envolve uma alteração das relações de poder entre os diferentes membros da comunidade. Não se trata de gerar consensos (…) mas o de negociar e partilhar a tomada de decisões.”

Actualmente em Angola existe algum pragmatismo sobre a autonomia e gestão das escolas no que diz respeito à participação dos diferentes membros da comunidade bem como a constituição de lideranças fortes nas escolas. Na realidade estes dois factores divergem em parte da filosofia que esteve subjacente à constituição da autonomia de escolas.

Segundo parecer emitido pelo professor (BARROSO & PINHAL, 1996) sobre gestão das escolas, a participação das famílias tem vindo a ser deficitária. Este facto verifica-se no Mundo todo até onde as legislações oferecem condições a uma maior intervenção dos pais na gestão das escolas.

Devido ao papel das autarquias na educação, o aumento de funções atribuídas tem vindo a reforçar a territorialização das políticas educativas nos países aonde as autarquias já funcionam. Segundo (FERNANDES, 2005),

“A territorialização poderá ser entendida como uma lógica de funcionamento num território municipalizado, onde actuam vários agentes locais da educação, segundo um projecto educativo local o qual integra os projectos educativos das diversas instituições educativas, todos com a mesma finalidade, rentabilizar os recursos educativos locais.

Em Angola as territorializações das políticas educativas deverão implicar não somente a transferência de competências do estado para as instituições locais, mas fundamentalmente, a criação de estratégias conjuntas, no domínio educativo, social, cultural e desportivo que visam a valorização dos interesses e necessidades locais, numa perspectiva de melhoria da qualidade de vida. Visto que a territorialização é um fenómeno essencialmente político e implica um conjunto de opções que têm por pano de fundo um conflito de legitimidades entre o Estado e a sociedade, entre o público e o privado, entre o interesse comum e os interesses individuais, entre o central e o local. Do ponto de vista operacional, a territorialização pode constituir um meio de ultrapassar lacunas do sistema educativo central e de afirmação do poder local, na resolução de problemas comuns às características do território.

5.3 A Aprovação De Uma Nova Lei de Base e a Territorialização das Políticas Educativas em Angola

Em Angola só em 2016 começou a surgir a expressão descentralização das políticas educativas que incluem um vasto conjunto de processos institucionais e administrativos destinados a aumentar a intervenção local na provisão da educação. No entanto ainda que seja do estado angolano a função de asseverar um sistema educativo público que proporcione a igualdade de oportunidades, o princípio constitucional da descentralização democrática da administração pública impõe a referência de atribuições e competências para as autarquias locais, de acordo com a respectiva capacidade de realização.

A implementação da lei nº 13/01, de 31 de Dezembro, que aprovou as Bases dos sistemas de ensino e contribui para o desenvolvimento dos diferentes sectores da vida nacional.

Porém, ante o novo quadro constitucional e os novos desafios de desenvolvimento incluindo a descentralização dos poderes do estado, traduzidos em diferentes planos de garantir a inserção de Angola no contexto regional e internacional, torna-se necessária a aprovação de uma nova lei de Bases do sistema de educação e Ensino.

A aprovação de uma nova lei de Bases do sistema de Educação e Ensino em Angola vai permitir a criação de condições mais adequadas para a aplicação das políticas públicas que o governo angolano pretende adoptar com a descentralização com o objectivo de continuar a assegurar, a incrementar e a redinamizar o crescimento e o progresso económico e social do país, bem como a adopção, o aperfeiçoamento ou a modificação de distintos instrumentos de governação.

Desta feita o sistema de Educação e Ensino adaptado a política de descentralização dos poderes deve reafirmar entre os seus objectivos, a promoção do desenvolvimento humano nos Municípios, com base numa educação e aprendizagem ao longo da vida para todos os indivíduos, que permitem assegurar o aumento dos níveis de qualidade de ensino. Deve igualmente contribuir de forma mais efectiva, para o empreendedorismo e para o desenvolvimento científico, técnico e tecnológico de todos os sectores da vida nacional.

A Territorialização das Políticas Educativas deve ainda garantir a reafirmação da formação assente nos valores patrióticos, cívicos, morais éticos e estéticos e a crescente dinamização do emprego e da actividade económica, a consolidação do emprego e da actividade económica, a consolidação da justiça social, do humanismo e da democracia pluralista.

A presente lei deve possibilitar a implementação de medidas que visam melhorar cada vez mais a organização, a funcionalidade e o desempenho do Sistema de educação na descentralização bem como fortalecer a articulação entre os diferentes subsistemas de ensino.

5.3.1 O objectivo estratégico do estado angolano em promover a descentralização da educação

Como tem sido reconhecido em Angola, as políticas públicas de educação condicionam a forma como as escolas se organizam e influenciam as acções desenvolvidas pela comunidade escolar. Em Angola, uma das políticas educativas que o estado pretende implementar é a autonomia das escolas com o objectivo estratégico de promover a descentralização da educação. O tipo de autonomia que se pretende ver instituída prende-se mais com a hipótese de uma maior flexibilização do currículo, mas, igualmente, um reforço dos dispositivos de controlo das aprendizagens e dos resultados escolares como sugerido por Barroso, (2004).

Esta flexibilização curricular, sugerido pela novo Lei nº 17/16 de 7 de Outubro de bases do sistema de educação de Angola no contexto de autonomia que é outorgado às escolas, prevê que estas constituam algumas áreas curriculares de forma livre, ainda que estejam sujeitas a um currículo centralmente definido. É no espaço desta flexibilização que as escolas podem ter a possibilidade de desenvolver medidas que promovam a redução das desigualdades tendo em conta os alunos e o contexto em que se inserem. Assim, torna-se importante analisar a acção do colectivo dos professores angolanos, enquanto agentes educativos, e da administração escolar e educacional, de forma a perceber se a organização e o desenvolvimento do currículo se norteiam por princípios democráticos e igualitários, isto é, se estão a cooperar para a materialização da justiça social.

Conforme Leite, (2005) “através da educação é possível responder à diversidade profunda que existe na população escolar, sendo que a resposta necessária não se centra apenas em reconhecer que todos os seres humanos têm o direito à educação”. Acima de tudo, é preciso que em Angola se encontre diferentes respostas educativas à diversidade profunda da sociedade e das escolas. Neste cenário, e assente em princípios igualitários e de justiça social, os Municípios que serão priorizados para autarquias não necessariamente precisam ser os únicos a abranger no programa de territorialização das Políticas Educativas para simplificar o combate aos problemas de exclusão social e escolar, onde os actores locais adquirem um papel fundamental.

É tendo por referência esta política pública e os objectivos que a justificam que consideramos essencial perceber se o que é enunciado está a ser concretizado – nomeadamente no que diz respeito às condições que contribuem para que as necessidades e características dos distintos grupos sociais que convivem na sociedade angolana sejam respeitadas. Pretende-se igualmente conhecer como são concretizados os processos que as escolas desenvolvem na procura de uma melhoria educacional fundada na equidade social.

Tendo como foco este objectivo, na primeira parte deste artigo dá-se conta da fundamentação teórica que nos guia na análise da política pública expressa na lei de base. A ela, deve-se seguir a apresentação de um estudo, na sua componente empírica, num conjunto de especialistas do MED (Ministério da educação). Este estudo de caso deve inclui a realização de entrevistas semi-diretivas Directores Provinciais, Directores de escolas do 1º e 2º Ciclo,  coordenadores de disciplinas, professores e até encarregados de educação nas dezoito Províncias do país e não só Luanda visto que as realidades e circunstâncias variam de região a região  é a análise desse conjunto de dados que nos permite tecer as interpretações e considerações que a leitura deste dissertação apresenta.

5.3.2 A emergência dos territórios educativos de intervenção prioritária em Angola

Na Lei de Bases do Sistema Educativo angolano de 2001 (lei nº 13/2001 Dezembro) os discursos relativos a questões da autonomia e descentralização escolar começaram a ganhar terreno, tornando-se, na década de 2010, centrais nos discursos educacionais e políticos, ao mesmo tempo que se foi difundindo o apelo a uma organização da educação pública justificada por princípios de qualidade, democracia e igualdade de oportunidades  para os angolanos.

No discurso legal dessa época, e tal como se pode constar pelo designado decreto da autonomia escolar (Lei nº 17/16 de 7 de Outubro de bases da educação) é referido que “a autonomia das escolas e a descentralização constituem aspectos fundamentais de uma nova organização da educação, com o objectivo de concretizar na vida da escola a democratização, a igualdade de oportunidades e a qualidade do serviço público de educação” (Preâmbulo). Esta lei de base veio reforçar a importância da participação das famílias e das comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino, ao mesmo tempo que passou a atribuir a direcção das escolas a uma figura única – o/a Director/a – a pretexto de se favorecer a constituição de lideranças fortes. Ou seja, é enunciado que o governo de Angola visa “reforçar a autonomia Municipal e a capacidade de intervenção dos órgãos de direcção das escolas para reforçar a eficácia da execução das medidas de política educativa e da prestação do serviço público de educação”  mas, para isso, é preciso recorrer-se a uma descentralização de poderes que Angola pretende adoptar com a realização das eleições autárquicas em 2020.

Este diploma legal, focado na autonomia das escolas do ensino de base 1º e 2º Ciclo em Angola, abrem igualmente hipóteses para a celebração de contratos de autonomia entre o Ministério da Educação e as escolas situação que em Angola pode representar o início de uma ruptura do sistema centralizado existente agora. Por sua vez, e neste enquadramento, os discursos políticos de descentralização e de autonomia dos partidos na oposição em Angola fizeram emergir a concepção dos professores como decisores curriculares e as escolas como instituições com responsabilidades na adequação do currículo prescrito às situações reais com que convivem.

Na linha de pensamento de Priestley, (2010) e Ferreira, (2012), os professores são, nestes discursos políticos, encarados como agentes de mudança, em que através do conceito de agência – entendido como a capacidade dos indivíduos para agirem reflexivamente dentro das limitações impostas pelos seus ambientes sociais e materiais – se denota a “qualidade” do envolvimento dos actores nos seus contextos relacionais, mas não a “qualidade” dos próprios actores. No quadro desta última ideia, é importante ter em conta a existência de diferenças entre autonomia e agência. Apesar dos discursos centrados na autonomia das escolas poderem ser encarados como meio de as libertar, permitindo a introdução de mudanças, a autonomia não significa necessariamente agência.

Por outras palavras, ser concedida autonomia aos professores em Angola não significa obrigatoriamente que estes consigam atingir mudanças efectivas, uma vez que se encontram condicionados pelo contexto em que se inserem e podem simplesmente reproduzir padrões de comportamento devido a constrangimentos relacionais ou institucionais. O que estamos, pois, a sustentar, é que é importante ter presente conforme Ribeiro & Machado, (2011) que esta relação se funda em contradições que não podem ser ignoradas.

Referindo-nos ao que acompanhou o discurso político de autonomia de escolas, promovidos pelo SINPROF (Sindicato dos professores Angolanos) Este contrato é fundado em objectivos e compromissos a cumprir por ambas as partes, isto é, tendo por base os “deveres mútuos que visam melhorar as condições de realização do serviço público de educação confiado às escolas, cujas dimensões abrangem o acesso à escola, o sucesso dos alunos, a formação para a cidadania, os cuidados de apoio e guarda, a organização e o funcionamento da escola, designadamente no que respeita aos processos de participação interna e externa”.

5.3.3 As contradições no plano da descentralização educativa

Apesar das intencionalidades enunciadas, pelo Governo angolano e embora este diploma acrescente alguma autonomia às escolas, percebe-se que nesta Lei nº 17/16 de 7 de Outubro de bases da educação não se avançou no plano da descentralização nem em soluções reais que pudessem dotar e aprofundar a autonomia das escolas em Angola, aumentando, contrariamente, as dúvidas e as inseguranças nos actores educativos. Como é afirmado por Lima, (2000), uma escola (mais) democrática é, por definição, uma escola mais autónoma, em graus e extensão variáveis e sempre em processo. É através do processo de democratização do governo das escolas, em direcção ao seu autogoverno, que professores e alunos serão mais livres e responsáveis, tornando possível uma educação comprometida com a "autonomia do ser dos educandos”  (CONNELL, 1999). Porém, o processo de autonomia das escolas foi e é ainda marcado por um confronto entre várias racionalidades e interesses resultantes quer de posicionamentos político-ideológicos diferentes, quer de ligações pessoais ou de grupo argumenta (LIMA, 2000).

Para a compreensão destas contradições, e recorrendo ainda a  Barroso (2004), julgamos que a aplicação das medidas de reforço da autonomia nas escolas públicas em Angola resultará de diferentes processos, nomeadamente de: (1) uma estratégia política que combina um discurso inovador inspirado nas propostas de modernização da gestão pública e de territorialização das políticas educativas, com uma prática conservadora baseada numa administração burocrática e centralizadora; (2) coexistência um modelo de coordenação e controlo baseado na "obrigação de meios" para um outro, baseado na "obrigação de resultados"; (3) emergência ou progresso de estruturas interpostas de coordenação (serviços desconcentrados do Ministério da Educação, ou agências locais) que, supostamente, deveriam apoiar as escolas no processo de devolução de competências resultante do "reforço da sua autonomia" e que acabam por assumir um apertado controlo da sua execução.

Para Leite, (2005) a autonomia aprende-se e não pode ser construída sem ter em conta outras dimensões que fazem parte de um processo mais global que é o de territorialização das políticas educativas, não podendo ser constituída como um fim em si mesma, mas como um meio para as escolas melhorarem o serviço público de educação.

Neste sentido, a autonomia das escolas é, por um lado, uma antítese de toda uma prática que deve caracterizar o sistema educativo Angolano, onde o Estado desempenhava um papel uniformizador e, por outro lado, uma ficção necessária ao funcionamento democrático da organização escolar pelo facto de “que raramente ultrapassou o discurso político e a sua aplicação esteve sempre longe da concretização efectiva das suas melhores expectativas. Mas ela tem sido uma "ficção necessária" porque é impossível imaginar o funcionamento democrático da organização do sistema educativo angolano e a sua adaptação à especificidade dos seus alunos e das suas comunidades de pertença, sem reconhecer às escolas, isto é, aos seus actores e aos seus órgãos de governo, uma efectiva capacidade de definirem normas, regras e tomarem decisões próprias, em diferentes domínios políticos, administrativos, financeiros e pedagógicos.

5.3.4 O plano da descentralização educativa versus prevenção ao abandono escolar em Angola

De acordo com o Governo de angola,  a ideia da descentralização de poderes será implementando com a perspectiva de desenvolver escolas que se localizam em territórios nacionais económica e socialmente desfavorecidos, sinalizados por situações de pobreza e exclusão social e onde se registam manifestações de violência, indisciplina, abandono e insucesso escolares. Consequentemente, os principais objectivos deste programa focam-se na prevenção e redução do abandono escolar precoce e do absentismo, na redução da indisciplina e na promoção do sucesso educativo em Angola. Em linhas gerais, a leia de base do Ministério da Educação Lei nº 17/16 de 7 de Outubro tenciona diligenciar a inovação, através da identificação e sinalização de problemas locais e da procura de soluções para os mesmos.

Para que isto seja possível, o MED deve apostar na monitorização e na avaliação dos projectos e das metas com que cada Direcção Provincial se compromete e partir da crença que a atribuição de maiores responsabilidades aos agentes educativos Municipais constituirá um meio para resolver os problemas com que o sistema educativo se confronta. Em contrapartida, a descentralização de poder educativo deve permitir a existência de recursos humanos acrescidos, sendo um deles a possibilidade de serem acompanhados por um especialista na área da educação. Este especialista, normalmente um académico do ensino superior, terá como principal função auxiliar na construção de um plano de melhoria do sistema de ensino angolano – que se pretende que identifique os pontos críticos, estabeleça um plano de acção e as metas a atingir – bem como na sua organização, monitorização e avaliação.

 Para além disto, são atribuídas verbas às escolas do 2º ciclo do ensino Secundário para, de acordo com o levantamento de necessidades que é realizado, financiarem formação que permita capacitar os seus recursos humanos e melhorar a implementação do seu plano de melhoria. A relação escola-família-comunidade deve obrigatoriamente ser igualmente um dos pilares de intervenção do programa. Para isso, o programa deve prever a constituição de equipas multidisciplinares que envolvem técnicos - como, por exemplo, psicólogos e técnicos de serviço social - professores e, fortuitamente, funcionários da escola que não sejam docentes. Estas equipas devem desenvolver um trabalho de proximidade junto dos alunos e das respectivas famílias, com vista à resolução dos problemas diagnosticados e que estão normalmente relacionados com a indisciplina, o absentismo e o abandono escolar precoce.

Como sustenta Bolívar, (2003), em ideia que corroboramos, “o núcleo da mudança educativa situa-se, não a nível micro da sala de aula, nem a nível macro da estrutura do sistema, mas no nível intermédio que são as condições organizacionais do estabelecimento de ensino”. Assim, podemos similarmente epilogar que a descentralização do ensino em Angola passa pela construção colectiva dos currículos, em que é importante que os critérios de sucesso sejam coerentes e sobretudo que dêem prioridade às aprendizagens essenciais e duráveis, opondo-se à incorporação de desempenhos facilmente mensuráveis. Ou seja, e como se depreende, são contrariados processos focados numa aprendizagem limitada à memorização, na lógica de uma pedagogia bancária que considera os saberes e as competências como aquisições isoladas, a serem trabalhadas e avaliadas uma após a outra.

Também Young, (2010) chama a atenção para o facto de que tendências de actuações demasiado conservadoras e instrumentais reduzem e substituem a autonomia das instituições educativas e a sua responsabilidade profissional pela manutenção ou subida dos seus próprios padrões de qualidade, ou seja,

“(…) a combinação da regulação, das metas quantitativas e dos financiamentos estritos associados à emergência do modelo da “entrega de produtos” na educação pública significa que a especificidade daquilo que deve ser uma instituição educativa está a ser, progressivamente, reduzida: a prioridade dominante passa a ser a concretização de metas e a obtenção de resultados – não a reflexão sobre que metas são essas e como de alcançam” (Young, 2010, p. 207).

Como lembra Perrenoud, (2003), na descentralização, as finalidades da escola e os critérios de sucesso são escolhas políticas, às quais professores e pesquisadores se devem submeter, mas, ainda assim, estes necessitam de favorecer pedagogias activas e diferenciadas, que, acrescentamos nós, sejam capazes de promover situações de maior justiça curricular. O mesmo acontece em Angola algumas leis são implementadas só por ordens superiores mesmo que estejam legisladas, porém gerir e executar processos que possibilitam a concretização e aplicação de políticas públicas podem exigir lidar com tensões, conflitos e desafios, equilíbrios entre as resistências individuais e institucionais que implicam negociações e pressões decorrentes das políticas públicas. É necessário também que as direcções das escolas públicas manifestem a vontade de colocar em prática o que está planeado para a descentralização, atendendo às características do local, dos seus membros e numa lógica de negociação e não de imposição, ou seja, do trabalho cooperativo com toda a comunidade educativa.

Face ao exposto, o estudo que aqui se apresenta pretendeu perceber o sistema da educação em Angola: desafios no quadro da desconcentração e perceber quais serão os desafios do MED na luta contra as desigualdades e no combate ao insucesso escolar, de modo a analisar possibilidades e limites de processos que apontam para a justiça curricular. como já referimos, orienta-nos a ideia de que, para isso, é necessário configurar e desenvolver um currículo escolar que coloque a sua prioridade educativa ao serviço de uma pedagogia diferenciada, capaz de ter em atenção os distintos contextos, situações e os alunos reais que o vivem, aspectos que serão tidos em atenção na componente empírica do estudo. assim, consideramos fundamental perceber que condições contribuem para que as necessidades dos distintos grupos sociais que convivem na sociedade angolana sejam respeitadas numa óptica de justiça social e curricular, essenciais para a construção de uma escola descentralizada. como refere (Barbosa, 2006),

“é verdade que não se pode esperar tudo da educação. Mas esta, pressionada pela progressiva afirmação das diferenças culturais num mundo que nos expõe cada vez mais aos valores de outras culturas, de outros povos e de outras gentes, vê-se na contingência de afrontar o desafio que isso coloca, um pouco à maneira do que acontece em outras áreas de interacção social - ali onde a autoridade cultural do “outro” nos interroga e nos interpela” (Barbosa, 2006, p.15).

É no quadro destas concepções de educação que se torna fundamental perceber a importância do papel social da educação e o contributo que o exercício de uma cidadania e de uma participação activa podem ter para a sobrevivência da democracia em Angola. Tal como sustenta Arnot, (2009), à educação compete a função de criar e formar cidadãos e às escolas a função de repensar os seus vínculos, ou, como afirma Barbosa (2006, p. 68): “a aprendizagem da cidadania democrática (…) desempenha um papel estratégico insubstituível na formação de cidadãos”. Isto é, considera-se que a educação pode assumir-se como uma resposta local que parece necessária não só para evitar o definhamento de cidadania, como também para fortalecer a democracia. Aliás, no que às escolas diz respeito, fundamental pensá-la como um espaço de interacção entre crianças, jovens e adultos, inevitavelmente diferentes e diversos e, por isso, esta deve propiciar a integração dos membros da comunidade escolar, promovendo a qualidade das suas relações, ao mesmo tempo que valoriza e legitima a expressão da diversidade e do pluralismo.

5.4 A Descentralização e a construção de uma Política Educativa Local em Angola

Numa concepção de democracia participativa o poder político central é entendido como agente regulador da iniciativa local, à qual é reconhecida a legitimidade própria para intervir nos processos educativos integrando-os numa política educativa local. Esta concepção implica o alargamento da auto-regulação local e o desenvolvimento de modalidades de regulação como as parcerias, contratos de desenvolvimento, protocolos e acordos de colaboração (FERNANDES, 2000).

Sabemos que a educação é um processo planificado e sistematizado de ensino e aprendizagem, que tem por objectivo preparar de forma integral o individuo opara as exigências da vida individual e colectiva.

5.4.1 O Projecto Educativo Local

Nesta dissertação, abordamos o sistema da educação em Angola: desafios no quadro da desconcentração tendo em conta a necessidade de existência de um projecto educativo local por considerarmos que a ideia da construção de um instrumento de trabalho desta natureza, revela a preocupação dos agentes educativos em organizar e gerir os recursos do território angolano. por outro lado, poderá ser a forma de reunir os actores envolvidos, todos com os mesmos interesses e os mesmos objectivos, procurando deste modo optimizar o sistema educativo angolano.

Canário (1999) considera que a pertinência do projecto educativo local que pode ser definido como “o instrumento de realização de uma política educativa local que articula as ofertas educativas existentes, os serviços sociais com os serviços educativos, promove a gestão integrada dos recursos e insere a intervenção educativa numa perspectiva de desenvolvimento da comunidade” é justificada uma vez que a “política educativa local é parte integrante de uma política de desenvolvimento local que promova a qualidade de vida”.

A existência do projecto é importante na acepção do projecto como tal. Ele define a relação entre aquilo que existe efectivamente e o que se pretende alcançar num futuro próximo. Vários autores debruçaram-se sobre o tema em analise. Mas todos referem um ponto comum - a ligação entre a intenção e a acção a concretizar.

O projecto educativo local em Angola, terá então de partir das características sociais e culturais do seu território, promover condições para o desenvolvimento educativo da população em geral, minimizar as diferenças sociais quer sejam de origem social ou étnica, valorizar e rentabilizar os recursos locais a nível do património das instituições educativas e empresariais. Um dos grandes objectivos do Projecto Educativo Local é a coordenação simultânea, com os projectos educativos das escolas e com os planos de actividades.

De facto, as orientações pedagógicas para a constituição do projecto educativo local são motivadoras, no entanto persiste a dificuldade em constituir um projecto desta natureza, pois implica um conjunto de recursos humanos difíceis de gerir, no contexto das competências atribuídas ao município. Razão pela qual são poucas as autarquias que avançaram já neste sentido.

A estrutura de um projecto educativo de escola, além do planeamento das várias funções, manifesta a ideologia da escola e como consequência, a relação que estabelece com os outros parceiros sociais. Sobre este assunto, (BARROSO & PINHAL, 1996, p. 125) refere o seguinte:

“Na verdade, o projecto de escola é simultaneamente um processo e um produto de uma planificação destinada a orientar a organização e o funcionamento do estabelecimento de ensino tendo em vista a obtenção de determinados resultados.”

E vai mais longe: “A cada escola a sua ambição, o seu projecto! É esta ambição que vai definir o modo de relacionamento da escola com a administração e com a sociedade, e a sua margem de manobra na realização dos fins que lhe são atribuídos” (BARROSO & PINHAL, 1996, p. 127).

O Decreto executivo nº 131/06 de 3 de Novembro, concebe o projecto educativo de escola, como um instrumento integrante do processo de autonomia de escolas, paralelamente ao regulamento interno e ao plano de actividades e consideram a necessidade de se regulamentar o funcionamento da Direcção Nacional para Acção Social Escolar. onde o artigo nº 1 acrescenta:

“A Direcção Nacional para Acção Social Escolar, é o serviço do Ministério da Educação encarregue de formular, aplicar e controlar a implementação da política de acção social escolar no sistema de ensino não superior público, nos domínios do apoio social directo e indirecto ao aluno, das bibliotecas escolares, do desporto escolar e da orientação escolar e vocacional (ANGOLA, 2006).”

(GUEDES, 2002) define deste modo o projecto educativo de escola:

“É considerado naquele normativo como o documento que consagra a orientação de escola por um período de três anos, onde se explicitam os princípios, os valores, as metas e as estratégias segundo os quais a escola se propõe cumprir a sua função educativa”

No caso de Angola o actual conceito de escola exige a construção de um projecto educativo, onde participem docentes e não docentes, alunos, pais, autarquias serviços desconcentrados do MED e outros actores sociais, com influência na acção educativa da escola. Estes intervenientes, responsáveis pela concepção do projecto educativo de escola, devem debruçar-se numa primeira fase, sobre as questões de contextualização social, económica e política onde a escola está inserida.

(BARROSO & PINHAL, 1996) opina sobre este assunto do seguinte modo:

“(…) antes de a escola se preocupar com a questão de como elaborar um projecto, assume especial importância ela debruçar-se sobre as questões que poderão conferir novos sentidos, significados e valores à sua acção e colocar os problemas relativos a contextos, condições e processos que estão em jogo nas dinâmicas de elaboração dos seus projectos.”

Em Angola, O secretário de Estado para Ensino Pré-escolar e Geral, Joaquim Felizardo Cabral avançou que as novas escolas vão ser construídas, no âmbito do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022. O secretário citado por (MED, 2018, p. 1) argumentou:

“Em cada uma das províncias, vamos explorar e estudar as suas potencialidades económicas, para implementarmos o tipo de escolas médias técnico-profissionais e também algumas instituições básicas. Mas, os municípios também terão uma palavra a dizer face ao desenvolvimento de cada um”, disse. Acrescentou que os projectos serão executados no âmbito dos Programas de Investimentos Públicos (PIP) e das acções de descentralização do Orçamento Geral do Estado (OGE).”

 Percebe-se que a filosofia subjacente a uma dinâmica de escola, define princípios e linhas orientadoras gerais, assentes nas características da comunidade educativa, de acordo com as orientações nacionais, estabelecendo metas prevendo parcerias e tendo em conta os recursos disponíveis, define e reflecte a visão, a ideologia e as acções da escola, cria a matriz de suporte que vai ser concretizada no Projecto Curricular de Escola e no Projecto Curricular de Turma.”

O projecto educativo de escola é o cérebro da acção educativa da escola. A partir deste constitui-se, o Projecto Curricular de Escola, representando o “núcleo duro” que adapta o currículo nacional às características da escola e do seu contexto. Como dependências do projecto curricular de escola surgem os projectos curriculares de turma, os quais adequam o projecto curricular de escola às características dos alunos de cada turma em particular (FAURE, 1977).

Os conteúdos dos projectos educativos das escolas e dos projectos curriculares de turma, dão sintoma do crescente interesse de professores e alunos, por actividades pedagógicas a desenvolver em campos exteriores á escola, solicitando a intervenção de outros actores das várias valências da comunidade educativa (BARROSO & PINHAL, 1996).

No entanto, a incapacidade do Ministério da Educação em Angola em concretizar os programas curriculares, nomeadamente na área das expressões, levará as autarquias a iniciar projectos educativos próprios, de apoio a esses programas, ultrapassando assim as competências que lhes foram atribuídas, o termo “apoio” permitirá aos Municípios entrarem nas escolas e intervirem na acção educativa.

Os municípios cientes da influência da acção educativa autárquica, na formação dos futuros cidadãos, devem investir na organização de projectos socioeducativos dirigidos às escolas, assumindo-os como estratégias políticas no desenvolvimento do sistema educativo local.

Os projectos socioeducativos são definidos por (BARROSO & PINHAL, 1996) como:

“acções educativas concretas direccionadas para as escolas, com objectivos específicos definidos que encerram uma permanente actividade formativa orientada no sentido de contribuir para o desenvolvimento global da personalidade dos alunos, o apoio às práticas pedagógicas dos professores, o progresso social e a democratização da sociedade.”

Em Angola as autarquias terão de desenvolver ainda projectos de apoio ao desenvolvimento de projectos socioeducativos das escolas, como é exemplo dos programas Sábados Académicos e Olimpíadas de Matemática. Os municípios estabelecerão, deste modo, regras próprias para atribuição do apoio concedido aos projectos das escolas, condicionando o desenvolvimento dos temas e das actividades propostas.

A selecção dos projectos pelas autarquias, terão de encaminhar a orientação das políticas educativas locais para uma “política de cidade”, conduzindo estes projectos das escolas no sentido das preocupações das autarquias enquanto cidades.

Em síntese, podemos concluir que as grandes alterações verificadas na educação a nível nacional, ainda não se fizeram sentir sobretudo no quesito Salário. Mesmo depois da Lei de Bases do Sistema Educativo de 2016 ainda não ouve evolução, contudo o processo de transferência de competências no sector da educação conheceu avanços e recuos. A partir destes pressupostos, somos levados ainda, a realçar quatro ideias conclusivas para este capítulo:

1ª Em Angola ainda estamos longe de materializar os princípios estabelecidos pela lei nº 17/16 de Outubro de Bases do Sistema Educativo, nomeadamente:

“O Titular do Poder executivo estabelece normas dos serviços sociais.”

(In Capítulo I, Artigo 114º, alínea, 1)

1ª Os titulares do poder executivo nos Municípios ainda não foram capazes de estabelecer serviços de apoio social, para benefícios de alunos, destinados a minimizar i impacto negativo das condições económicas e sociais precários no desenvolvimento dos alunos e no seu desempenho escolar e académico, aumentando as possibilidades de sucesso escolar.

2ª Os serviços de apoio social nos Municípios ainda não concedem apoios suficientes tais como merenda escolar, bolsas de estudo, material escolar, senhas de transportes, lares e internatos, assistência psicológica e orientação vocacional e profissional.

5.4.2 As potencialidades e as vulnerabilidades do Programa educativo angolano

Em termos de vulnerabilidades, os autores salientam a eventualidade de híper escolarização da vida das crianças, a administração burocrática do projecto, a desqualificação profissional e social dos educadores e professores envolvidos, o facto de colocar em causa a monodocência enquanto modalidade de organização do trabalho dos professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico, bem como, de contribuir para o alargamento do tempo de educação formal.

A nova lei de base do sistema de educação angolano procura consolidar a concretização dos princípios da integridade, laicidade, democratização, gratuidade e obrigatoriedade do anterior sistema educativo. Esta nova lei representa uma estratégia para melhorar a qualidade da educação e ensino e responder aos desafios do desenvolvimento do país perspectivando as autarquias locais e a descentralização do sistema educativo.

A presente Lei de Bases do Sistema de Educação preconiza a escolarização de todas as crianças em idade escolar e, do mesmo modo, a redução do analfabetismo e a formação profissional. Esta lei propõe uma readaptação do sistema educativo com vista a responder às novas exigências da formação de recursos humanos necessários ao progresso da sociedade angolana.

Para além da componente política, a nova lei de base foi produzida originalmente para auxiliar a actualização dos métodos de ensino e para adequar as cadeiras/disciplinas aos tempos actuais. A integração da Internet e de ferramentas digitais no ensino é uma das inovações pretendidas, a ideia do MED é adequar o ensino angolano a de outros mais avançados almejando alcáçar um ensino de qualidade para o desenvolvimento do país ainda tem de melhorar muito.

 Porém nota-se que o currículo constituiu um dos factores que maior influência possui na qualidade do ensino. Este aparente consenso, esconde um equívoco. Não existe uma noção, mas várias noções de currículo, tantas quantas as perspectivas adoptadas. O currículo continua a ser frequentemente identificado, como um plano de estudo. Sendo que este significa, pouco mais do que o elenco e a sequência de matérias propostas para um dado ciclo de estudos, á um nível de escolaridade ou curso, cuja frequência e conclusão conduzem o aluno a graduar-se nesse ciclo, nível ou curso.

A lei de base da educação devia ser concebida a partir de um amplo consenso social, já que a educação abrange toda a sociedade e nunca deve depender de uma ideologia ou do governo que estiver em funções. Quando a reforma educativa preenche unicamente os interesses da autoridade do momento, costuma tratar-se de um empreendimento político para difundir uma visão distorcida da realidade e para formar as novas gerações de acordo com a mensagem dominante.

O que precisa mudar no Projecto Educativo angolano? Para uma maior exigência do perfil de saída dos alunos actualmente e no futuro, uma maior exigência académico-profissional no perfil de entrada e saída dos professores nas actuais Escolas do Magistério Primário deve ser imposta.

Uma conclusão importante a reter é, pois, a de que a legitimação política ou a racionalidade científica dos projectos inovadores não constituem garantia de êxito da sua implementação. A inovação tem revelado tanto de aliciante quanto de problemático e de complexo. Uma das principais razões justificativas destes resultados insuficientes prende-se com a complexidade do fenómeno da inovação aliado à ausência de uma perspectiva teórica alargada e, em particular, ao pouco conhecimento das variáveis pessoais e organizacionais que interactuam no complexo processo inovador.