PENSAMENTO DE ARISTÓTELES
SOBRE A ÉTICA
O tema principal da violência, ética e cidadania em Aristóteles é
delimitar o que é o “bem” e o significado que ele tem para o homem. Somente
quem conhece o bem é capaz de encontrar a felicidade, que na filosofia
aristotélica não é um sentimento passageiro, e sim “obra de uma vida inteira”. Aristóteles
começa a Ética nicomaqueia provavelmente dedicada a seu filho Incómodo e o mais
importante de seus textos sobre o bem e o comportamento dos homens – com estas
palavras:
“Toda
arte e todo saber, assim como tudo que fazemos e escolhemos, parece visar algum
bem. Por isso, foi dito, com razão, que o bem é aquilo a que todas as coisas
tendem, mas há uma diferença entre os fins: alguns são actividades, ao passo
que outros são produtos à parte das actividades que os produzem.”[2]
Essa afirmação contém
duas teses fundamentais da ética aristotélica. A primeira: todas as coisas
tendem ao bem, o que significa, na doutrina do filósofo, que o bem é a
finalidade de todas as coisas. A segunda: chega-se ao bem por dois caminhos: a)
pelas actividades práticas, isto é, aquelas que contêm seus próprios fins
(ética e política); b) pelas actividades produtivas (artes ou técnicas).
Em relação à ética, o
bem leva cada indivíduo a ser capaz de viver com os outros, na polis. Em outras
palavras, a ética, no campo individual, prepara terreno para a política, no
campo colectivo. Para Aristóteles, a finalidade da política é a busca do bem de
todos os homens. E qual é o bem de todos os homens? A felicidade, responde
Aristóteles. A felicidade, porém, não é um sentimento que aparece, instala-se e
vai embora; ao contrário, é “obra de uma vida inteira”.
“O bem ético pertence ao género da vida excelente e a felicidade é a
vida plenamente realizada em sua excelência máxima. Por isso não é alcançável
imediata nem definitivamente, mas é um exercício cotidiano que a alma realiza
durante toda a vida (…) de acordo com a sua excelência mais completa, a
racionalidade.”[3]
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA DE
ARISTÓTELES
Ora, Aristóteles começa a
Ética a Nicómaco dizendo que o objecto de um acto ético é o bem: "Toda
arte e toda investigação e todo acto e todo propósito parecem ter em mira o
bem; por isso definem o bem aquilo a que todos aspiram. Porém há uma certa
diferença dos fins: pois uns são energias e outros, ao lado delas são certos actos.
Dentre os que têm fins ao lado das acções, nesses naturalmente os actos são
melhores do que as energias[4].
É interessante notar que o início da Ética a Nicómaco é muito semelhante ao
da sua Politéia, e não por acaso: o motivo de toda acção do homem é o bem e
toda comunidade se constitui visando a um bem qualquer. Poderíamos dizer,
então, que o que marca o comportamento do homem individualmente e colectivamente
é o seu, isto é, o seu carácter, sua natureza, seus atributos. Portanto, na
medida em que toda acção visa a um bem, o mal ou o vício são um desvio, e
necessariamente uma negação da intenção da acção inicial, primordial, e,
portanto, um segundo tempo.
É uma visão idealista e optimista da natureza do homem, o que é uma
constante em toda a obra aristotélica. Só é acção, só é energia positiva o que
é virtude, qualidade; os vícios e os defeitos são o que é contrário a essas
coisas.
A análise do texto aludido, nos leva à conclusão de
que, em sua ética, Aristóteles preocupa-se, acima de tudo, com o bem humano.
Esse bem é determinado por dois factores:
1) Um factor bastante constante, a natureza humana,
que se constitui de uma série de elementos corporais ligados a uma forma
dinâmica por ele chamada de alma (psyché, donde se origina o adjectivo
psíquico).
2) Um segundo factor variável, o conjunto de
circunstâncias concretas, chamadas pelos gregos de ocasião. O homem que
consegue organizar as possibilidades de sua própria natureza (sem rebaixá-las
nem as sobrestimar) e ainda leva em conta as circunstâncias que o rodeiam,
utilizando-as como apoio e não como obstáculo à sua acção, alcança o bem que
deseja, isto é, consegue levar uma boa vida.
Essa boa vida, que todo ser humano almeja, é o que
chamamos de felicidade (eudaimônia), que se refere a uma certa forma de viver -
não se trata de um estado mas sim de uma actividade do homem; tal actividade
deve seguir certas normas coerentes com a natureza humana
- No entanto, como a natureza humana é complexa e
muitas vezes apresenta tendências opostas, é preciso submetê-la a certas regras
ou critérios racionais que a equilibrem - conseguir esse equilíbrio é o que
Aristóteles chama de possuir a virtude, componente essencial da felicidade.
A virtude impede que tendências opostas entrem em choque
trazendo efeitos destrutivos para o ser humano. Aristóteles distingue dois
tipos de virtude:
1) As virtudes intelectuais ou virtudes da mente.
2) As virtudes morais, que consistem no controle das
paixões, movimentos espontâneos do carácter humano.
A virtude não é, diversamente da felicidade, uma actividade,
senão que um hábito, ou maneira habitual de ser; como tal, não pode ser
adquirida da noite para o dia, porque depende de muito exercício - repetindo
certos actos o homem acaba por transformá-los numa segunda natureza, isto é,
numa disposição (enão actividade) para no futuro agir sempre da mesma forma.
NOÇÃO SOBRE A
ÉTICA
Etimologicamente, a palavra “ética” alude aquilo que se costume fazer,
aquilo que normalmente se faz. A palavra grega “ethos” significa efectivamente
o costume social, o modo de comportamento próprio de uma determinada sociedade.
Para os gregos, trata-se de uma sociedade bem ordenada, de uma sociedade boa. A
ética, por conseguinte, indica os comportamentos que uma sociedade, na sua
experiência, considera positivos, a paz, e a ordem social, para o progresso dos
cidadãos e para o aumento do bem-estar, de todos. Tais comportamentos são
precisamente “éticos”, ou seja, eticamente honestos[14]. Em terceiro
lugar a palavra é usada em sentido absoluto: ético não é apenas que se costuma
fazer numa sociedade boa, mas sobretudo:
Aquilo que é bom em si mesmo, aquilo que deve ser feito ou evitado a todo o
custo em todo o caso, independentemente das vantagens pessoais ou sociais que
daí se extraem, aquilo que é absolutamente digno do homem ou que se opõem
aquilo que é indigno, aquilo que não é negociável, algo que não se pode
discutir nem transigir, O quarto significado é o da ética como reflexão
filosófica sobre os comportamentos humanos e sobre o seu sentido último[15].
Segundo Baptista Mondin:
A ética é a ciência que tem como objecto
o fim da vida humana e os meios para alcançá-los. A palavra ética foi aplicada
a moral sob todas as suas formas, quer como ciência do comportamento efectivo
dos homens, quer como arte de guiar o comportamento. Propriamente a ética
deriva ocupar-se do bem como valor primário a ser assumido pela liberdade como
guia das próprias escolhas [16].
Aristóteles, não só organizou a ética como disciplina filosófica mas, além
disso, formulou a maior parte dos problemas que mais tarde iriam se ocupar os
filósofos morais: relação entre as normas e os bens, entre a ética individual e
a social, relações entre a vida teórica e prática, classificação das virtudes,
etc. Sua concepção ética privilegia as virtudes (justiça, caridade e generosidade),
tidas como propensas tanto a provocar um sentimento de realização pessoal
àquele que age quanto simultaneamente beneficiar a sociedade em que vive. A
ética aristotélica busca valorizar a harmonia entre a moralidade e a natureza
humana, concebendo a humanidade como parte da ordem natural do mundo, sendo
portanto uma ética conhecida como naturalista.
Segundo Aristóteles, toda a actividade humana, em qualquer campo, tende a um fim que
é, por sua vez um bem: o Bem Supremo ou Sumo Bem, que seria resultado do
exercício perfeito da razão, função própria do homem. Assim sendo, o homem
virtuoso é aquele capaz de deliberar e escolher o que é mais adequado para si e
para os outros, movido por uma sabedoria prática em busca do equilíbrio entre o
excesso e a deficiência:
A Ética de Aristóteles, assim como a de Platão, estão unidas à sua filosofia política, já que para ele a
comunidade social e política é o meio necessário para o exercício da moral.
Somente nela pode realizar-se o ideal da vida teórica na qual se baseia a
felicidade. O homem moral só pode viver na cidade e é portanto um animal
político, ou seja social. Apenas deuses e animais selvagens não tem necessidade
da comunidade política para viver. O homem deve necessariamente viver em
sociedade e não pode levar uma vida moral como indivíduo isolado e sim no seio
de uma comunidade.
IMPORTÂNCIA
DA ÉTICA
A ética serve para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social,
possibilitando que ninguém saia prejudicado. Neste sentido, a ética, embora não
possa ser confundida com as leis, está relacionada com sentimento de justiça
social, pois com muita frequência a lei tem como base, princípios éticos. A
ética é construída por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais.
Do ponto de vista da filosofia, a ética é uma ciência que estuda os valores e
os princípios morais de uma sociedade e seus grupos. Cada sociedade e cada
grupo possuem seus próprios códigos de ética.[17]
Queremos salientar que a ética está relacionada com a
reflexão sobre os principios e argumentos que fundamentam as nossas acções, ou
seja, permiti-nos ponderar sobre a causa ou motivo para agir de determinada
maneira. Assim a ética ajuda-nos a distinguir o bem do mal, levando nos a
reflectir sobre questões muito pertinentes, tais como: por que faço isto e não
aquilo? Qual o motivo que tenho para agir assim?
A ética pode ser considerada como a arte de construir a
nossa própria vida por isso, sem a ética o nosso dia-a-dia seria um caos
axiologico, pois teriamos em mente o que nos prejudica e o que nos beneficia.
De igual modo, as nossas acções não teriam argumentos nem justificações que as
fundamentassem.
Em segundo lugar, nós, seres humanos, não vivemos
isolados, mas em constante interação com os outros. Por esta razão, o ser
humano sofre, naturalmente, influencias socias que condicionam a sua tomada de
decisões. Estas influencias exteriores podem conduzir o ser humano para um bom
ou um mau caminho, o que está intimamente ligado a muitos factores, designadamente
os padõres de cultura, do meio, o contexto histórico e as relações
interpessoais que se estabelecem.
TIPOS DE
ÉTICA
Segundo Carlo Martine,
existe 3 tipos de éticas[18].
·
Ética Geral ou Universal: onde quer que se vá. Encontramos regras de conduta
moral e mundial.
·
Ética Profissional: ao tratar-se de um de assunto de deve-se ter sigilo
profissional, para evitar-se fugas de informações e constrangimentos de ordem
moral aos prejudicados. Uma ética profissional poderia contribuir para o
desenvolvimento da própria consciência moral do profissional daquela
consciência que exige dele, não apenas não lesar os direitos dos outros, mas
viver o próprio empenhamento profissional na realização daquela intenção, mas
profundo da vida, que consiste precisamente na nossa entrega para o bem de
muitos.
·
Ética Pública: geralmente quando se faz referência a justiça. Todavia,
muitas vezes esquecemos que esta é uma das virtudes que compõem uma espécie de
padrão clássica, fazendo parte do grupo das grandes virtudes
ÉTICA E MORAL
A ética e moral são
experiências transmitidas ou vividas que elegemos para dar sentido à nossa vida
cotidiana.
O espírito capaz de se
compadecer e de se solidarizar é necessariamente um ser mais cooperativo e
menos competitivo. Essas atitudes estão ligadas a valores éticos e morais que
orientam e justificam tais comportamentos. Esses valores éticos e morais são considerados
como uma referência justa, verdadeiras e, portanto, necessárias, são os valores
éticos ou da consciência. Como eles são constantes, orientam nossa conduta de
valor moral pela vida inteira.
E é pelos valores éticos
e morais que nossa vontade é controlada independentemente da presença do outro.
É muito comum ouvirmos: ninguém está vendo! Como se, na ausência dos outros,
pudéssemos agir à vontade. É claro nesse sentido, sua conduta seja um exemplo
para todos. Posso desejar ou ter certas vontades, mas, pensando bem, não devo -
valor de consciência -, logo não posso. Isso significa que a minha conduta deve
estar sempre condicionada a um valor maior, isto é, a um acto da consciência [19].
Esta consciência é o
conjunto de valores éticos e morais que foram intrometidos pela cultura em
todos nós desde que começamos a nos entender por gente. Daí a importância tanto
da família quanto da escola na formação da pessoa humana. Mas certos princípios
morais mudam com o tempo, isto é, são históricos. Já os valores éticos
continuam perenes, pois exprimem ideais superiores que são universais. Podemos
citar alguns, como a solidariedade, a compaixão, a honestidade, a generosidade
e a responsabilidade [20].
Como são universais, eles valem em todos os
lugares e em todos os tempos. Felizmente, são imunes aos relativismos tão em
voga. Educar não é somente ensinar as pessoas uma profissão, mas também passar
experiências espirituais que vão dignificar uma conduta pelo resto da vida.
Infelizmente, em nossas escolas, pouca atenção se dá a essas disciplinas
formativas[21].
Na educação dos filhos, o
exemplo e a presença dos pais são duas formas poderosas para o cumprimento
dessa tarefa formadora. Diante da necessidade de trabalhar, pai e mãe encontram
pouco tempo para ficar com os filhos. Sobra para a escola, mas ela sozinha não
dá conta de tudo isso. A religião é também um outro centro importante de
formação humana. Mas quantas denominações religiosas estão atrás do lucro fácil
tão em moda hoje? E, por cima de tudo, ainda temos de enfrentar os desvios de
uma sociedade consumista que gera comportamentos antiéticos, que são os
promotores nefastos da violência cotidiana, do erotismo sem limites e do
consumo a todo custo?[22]
O amor à natureza, por
exemplo, é um valor perene que não está à mercê das oscilações existenciais ou
sociais de quem o pratica, pois aquele que ama verdadeiramente o mundo natural
sabe que esse sentimento será a presença constante enquanto durar a sua vida. Do
ponto de vista ético, quem ama, ama para sempre, porque o amar antes de ser um
sentimento é um valor ético. Na vida conjugal, por exemplo, a fidelidade não é
uma obrigação, mas um merecimento, já que posso desejar outras, mas minha
mulher não merece, portanto, se não devo, eu não posso[23].
No tocante às questões
ecológicas, ao assumirmos a educação ambiental, teríamos uma responsabilidade
imensa pela frente: sensibilizar as pessoas para que elas participem da
construção de uma nova maneira de se comportar diante dos outros e da natureza.
Essa educação traria no seu ideal um elenco de valores contínuos de cuidado, de
respeito e de responsabilidade com o natural. É com esse material que
poderíamos formar a espinha dorsal de uma sociedade mais ética e ecológica[24].
[1] Docente Universitário e pesquisador, Angola. abreucongo@gmail.com
[2] CHAUI, Marilena –Introdução a História
da filosofia, S. Paulo, 2010, p.442.
[3] CHAUI, Marilena, Idem.
[4] MURACHCO, Henriques. Algumas considerações
sobre a ética de Aristóteles: O homem na Polis e nas relações individuais, são
Paulo, 2002, p.33.
[5] COSTA, Frei Paolo
Dalla, Teologia Moral Fundamental, Luanda,
1998, p.11.
[6] ARANHA, Maria Lúcia de
Arruda, Filosofia da educação. 2ª Ed.
Editora moderna, São Paulo, 1996, p.119.
[7] MARINA, Carla, Educação Moral e Cívica. Ed. Plural,
Angola, 2005, p.55.
[8] Ibidem, p.41
[9] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, Filosofia da educação, 2ª Ed. Editora
moderna, São Paulo, 1996, p.188.
[10] MENEZES, M. Azancot, Reflexões sobre Educação, Ed. Mayamba
editora, Luanda, 2010, p.53.
[11] Cf. MENEZES, M. Azancot, Reflexões sobre Educação Ed. Mayamba
editora, Luanda, 2010, p.73.
[12] MARINA, Carla. Op. Cit., p.30.
[13] Ibidem, pp.30-31.
[14] MARTINE, Carlo Maria, Viagem pelo Vocabulário da ética,3ª Ed.
Itália, 1992, p.9.
[15] Idem.
[16] MONDIN, Battista, Introdução à filosofia. Ed. Paulus,
Brasil, 1981, p. 367
[17] KUNDONGENDE. João da
Cruz. Crise e Resgate dos valores morais,
Cívicos e culturais na sociedade angolana.
Luanda. 2013, p.32.
[18] MARTINE, Carlo Maria, Viagem pelo Vocabulário da ética,3ª Ed.
Itália, 1992, pp.41-66.
[19] CHAUÍ, Marilena, Convite à filosofia, 4ª Ed. São Paulo,
Ática, 1995, P.74
[20] Ibdem, p.75
[21] Ibdem, p.34.
[22] Ibdem, p.36
[23] CHAUÍ, Marilena, Convite à filosofia, 4ª Ed. São Paulo,
Ática, 1995, P.58
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